Video matéria: Jornal Nacional http://globotv.globo.com/rede-globo/jornal-nacional/v/deputado-jose-riva-e-afastado-da-assembleia-legislativa-do-mt/2560605/
Réu em mais de uma centena de processos nos âmbitos cível e criminal
em função de suspeita de participação no desvio de R$ 65,2 milhões dos
cofres da Assembleia Legislativa do Mato Grosso e outros crimes, José
Geraldo Riva (PSD) sempre foi considerado um homem de sorte. Eleito
deputado estadual em Mato Grosso pela primeira vez, em 1994, alterna há
18 anos o cargo de presidente e 1º secretário do Legislativo.
O
alto posto serviu para articular, por exemplo, a aprovação de lei que
tentava tirar da Vara Especializada em Ação Civil Pública e Ação Popular
de Cuiabá todos os processos por improbidade administrativa a que ele
mesmo responde. Garantiu por um bom tempo a suplentes de deputados
estaduais gabinete com quase duas dezenas de funcionários. Aprovou lei
que autorizou a exploração de loteria por empresas privadas. Em
dezembro, até o regimento interno da Casa foi alterado para que pudesse
passar a ser conduzido continuamente à presidência do Legislativo.
Seja
aliado ou adversário, no Mato Grosso todos veem no gesto o propósito de
assumir em breve o governo do estado na condição de atual presidente da
Assembleia. Isso ocorrerá caso o atual governador, Silval Barbosa
(PMDB), deixe o posto para disputar uma vaga no Senado, e o vice, Chico
Daltro (PSD), garanta vaga no Tribunal de Contas do Estado.
Mas,
mesmo sem assumir o cargo de governador, a rede de influência construída
pelo deputado ao longo dos anos já o torna o político mais habilidoso
de Mato Grosso. Riva é unanimidade entre os parlamentares estaduais, que
ignoram solenemente sua ficha judicial.
Com o governo estadual,
ele mantém parceria estreita, cuida dos núcleos sistêmicos que
concentram compras, indica postos-chave em secretarias e ainda garantiu
um cargo para a mulher, Janete Riva, hoje secretária de Cultura e
processada por crime ambiental.
O ex-chefe da Polícia Civil Paulo
Rubens Vilela foi denunciado na Justiça Federal por quebra de segredo de
Justiça e prevaricação ao avocar para si investigação de crime
eleitoral em Campo Verde (MT) nas últimas eleições e beneficiar Riva.
Vilela viajou em avião do parlamentar só para buscar documentos
apreendidos pelo delegado local. Dois anos depois, na primeira eleição
municipal do PSD, o deputado ajudaria a eleger 39 prefeitos no estado, o
maior índice de Mato Grosso.
— José Riva funciona como um
coração: bombeia sangue para todo o corpo. E em partes iguais — ironiza
Gabriel Novais Neves, ex-reitor da Universidade Federal de Mato Grosso,
ao ser perguntado sobre os motivos da força política de um parlamentar
que enfrenta tantos problemas com a Justiça.
A maior parte desses
problemas decorre do desvio de R$ 65,2 milhões da Assembleia entre 1999 e
2003, fraude realizada em parceria com João Arcanjo Ribeiro, “O
Comendador”, principal líder do crime organizado e do jogo do bicho em
Mato Grosso, atualmente detido em presídio federal.
Na condição de
ordenadores de despesas da Assembleia, Riva e outro deputado, Humberto
Bosaipo, usavam uma rede de empresas-fantasmas para forjar gastos com
gráficas, serviços de limpeza e reparos, segundo o MP. Os cheques que
pagavam as despesas eram “comprados” pela Confiança Factoring, empresa
ligada a Arcanjo que liberava os recursos, em espécie, para os indicados
pelos deputados.
Uma das empresas que receberam quase R$ 3
milhões tinha como objeto social a fabricação de calcinhas. Quando o
escândalo veio à tona, o contrato já estava alterado para uma atividade
bem distinta: locação de aviões. Em outro caso, a empresa contratada
pertencia a Lucas Marques Almeida. Segundo documentos, ele assinou de
próprio punho o contrato social da empresa e também rubricou os cheques
descontados. Tudo certo, não fosse por um detalhe: Lucas morreu um mês
antes da criação da empresa. Cheques da Assembleia foram usados até para
comprar gado que foi entregue em fazendas de pessoas ligadas a Riva.
Todos
os envolvidos viraram réus em 92 processos contra atos de improbidade
ou reparação de danos ao Erário, cuja tramitação seguiu em ritmo lento
até que caísse uma das principais bases da influência de Riva no
Judiciário matogrossense: o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) aposentou
compulsoriamente dez magistrados envolvidos em um escândalo de desvio
de recursos para a maçonaria, em 2010.
“Uma ostra que não foi
ferida não produz pérolas, as pérolas são produtos da dor”, discursou em
2004 o então presidente do TJMT, José Ferreira Leite, ao se referir ao
“bombardeio de acusações” aos parlamentares. É um dos afastados
atualmente do tribunal.
O Ministério Público não entendia como o
parlamentar obtinha liminares que o reconduziam ao cargo de presidente
da Assembleia, apesar de quatro condenações em primeira instância
determinando o seu afastamento. O juiz responsável pelas condenações,
Luís Aparecido Bertolucci, era alvo de processos com alegação de
suspeição.
“O agravado está acintosamente a descumprir decisão
judicial que já o afastou do exercício de funções na Mesa Diretora da
Assembleia”, escreveu em 2012 o desembargador Luís Carlos Costa,
responsável por condenar Riva por improbidade em segunda instância.
Também por isso ele virou alvo de processos de suspeição do deputado,
que o acusa de ser “avesso a políticos”, pelo fato de ter dispensado
cumprimentos de autoridades ao fim de sua posse como desembargador.
Estimativas
do Ministério Público apontam que desvios no início da década, em
valores atualizados, podem chegar perto de meio bilhão de reais quando
todos os processos forem julgados. Em 2010, ele declarou patrimônio de
R$ 1,59 milhão, já bloqueado. Os promotores reconhecem se tratar de
parte ínfima do que ele detém.
Sempre que solicitaram à Assembleia
informações simples, como cópias de licitações realizadas, os
promotores sempre receberam negativas. O mesmo ocorreu com os
integrantes da ONG Moral, formada na esteira do Movimento de Combate à
Corrupção Eleitoral (MCCE). Eles buscaram a Justiça para obter dados
sobre gasto com combustível.
Os números recebidos mostram que,
apenas em 2010, ano em que foi comprado 1,7 milhão de litros de
gasolina, seria possível rodar quase 14 milhões de quilômetros (se
considerado um consumo médio de 8 km/l). Se cada veículo rodasse cem
quilômetros por dia útil, seriam necessários quase 600 carros para
consumir o que foi adquirido e pago a serviço de 24 deputados.
—
Cobramos das instituições que elas funcionem. O movimento de controle
social que se inicia tem possibilitado isso. Sem pressão, corre risco de
tudo ir para a gaveta — lembra o advogado Bruno Boaventura, atual
presidente da ONG, que encaminhou a denúncia ao MP.
Por meio de
nota, Riva disse considerar as perguntas enviadas por O GLOBO
“descabidas e recheadas de boatos” a seu respeito, por isso decidiu não
responder. Sobre os gastos com combustível, argumentou que o estado tem
municípios a até 1,5 mil quilômetros da capital. “Digo isso para mostrar
o nosso gasto de combustível com veículos oficiais, pago integralmente
pela Assembleia”, escreveu, recusando-se a informar quantos carros estão
disponíveis aos parlamentares.
Nos últimos anos ele vem atribuindo as denúncias “à disputa política”. Já argumentou que trabalha muito e ganha pouco.
—
Àqueles que tentam desconstruir a minha história política, digo apenas
que um dia possam trilhar seus caminhos com suas próprias pernas, e não
pisando sobre os que estão ao seu lado — diz.
Fonte: O Globo
http://oglobo.globo.com/pais/jose-geraldo-riva-um-politico-com-mais-de-100-processos-7726347